017: onde estão as mulheres nos quadrinhos nacionais
analisamos o catálogo das 10 editoras BR que mais publicam gibi
Nessa vida de criador de conteúdo sobre quadrinhos a gente acaba fazendo amizade com algumas pessoas que a gente encontra sempre em eventos e acaba levando para a vida, como o Thiago Carneiro do @afronerd_, Bianca Sakai (@biancasak), Julyano e Daniela do @paginasamarelashqs e o Vinicius do @coberturanerd - e em um dos encontros que tivemos em 2024, a inauguração da Panini Point da Vila Mariana, tivemos a ideia de criar um grupo de Whatsapp para discutir pautas pertinentes ao nosso mercado.
Uma dessas pautas surgiu após aqueles dois encontros de profissionais na Comic Boom - o com dono de lojas e, em seguida, o com editores - para falar sobre cenário econômico, desafios editoriais e algumas particularidades do nosso mercado.
Surgiu também, em ambos os papos, um comentário de que “é difícil publicar quadrinho de mulher” ou que “quadrinho de mulher vende menos no Brasil” e, por isso, acaba publicando-se menos. Claro que esses comentários levaram ao surgimento de pautas calorosas no Twitter e também comentamos lá no nosso grupo, tentando entender possíveis motivos.
Foi aí então que eu combinei com os amigos de que eu faria um levantamento quantitativo de quais editoras publicam mais gibis de autoria feminina - e que agora quero compartilhar com vocês para ajudar a fomentar novamente o debate.
Claro que seria uma tarefa extremamente árdua pois o nosso mercado cresceu bastante e publica-se hoje muito mais quadrinhos por mês do que há 20 anos, por exemplo. Portanto, precisamos definir algumas regras e metodologias para padronizar o resultado e torná-lo analisável. Os critérios foram:
Utilizar a base de dados do Guia dos Quadrinhos;
Selecionar editoras que publicam pelo menos 10 gibis por ano;
Excluir editoras focadas exclusivamente em heróis e mangás (Panini, JBC e NewPOP);
Analisar apenas publicações de janeiro de 2010 a maio de 2024;
Considerar apenas roteiristas, ilustradores e coloristas (este último apenas se a informação estiver explícita na capa, para facilitar o levantamento);
Adicionamos duas colunas de verificação que perguntavam (1) há uma mulher no time criativo? e (2) é uma artista brasileira?;
Esse último ponto em específico já foi identificado como uma melhoria para uma segunda etapa da pesquisa. Isto porque, da forma como foi feito, não permite que calculemos “quantas mulheres temos em comparação com homens” e sim “quantos quadrinhos tem pelo menos uma mulher em comparação com os que tem apenas homens”, ou seja, pode ser que o quadrinho tenha 3 envolvidos, sendo apenas 1 mulher - mas que já conta para esse primeiro estágio do levantamento.
Dito isto, chegamos a um total de 1.168 quadrinhos publicados por 10 editoras, sendo elas: Cia das Letras, Comix Zone, Conrad, Darkside, Devir, Mino, Nemo, Pipoca e Nanquim, Veneta e Skript.
Vamos aos números:
Qual é o quadro geral de publicações?
Dos 1.168 quadrinhos analisados, 214 tem pelo menos uma mulher no time criativo - 18,3% do total - e apenas 85 são de artistas nacionais - 7,3% do total e 39,7% da quantidade de obras com mulheres.
Como evolui a quantidade por ano?
Apesar de entre 2010 e 2012 termos os piores resultados da série, de 2013 para cá não parece haver uma tendência positiva. Os valores oscilam entre 15% e 28% - um ano cai, o outro sobe. O melhor resultado é de 28,6% em 2019, caindo imediatamente para 16% em 2020 e 14,3% em 2021.
Já se olharmos para publicações com mulheres brasileiras, nunca superamos a marca de 10%, apresentando, inclusive, dois anos (2013 e 2019) com 0% - e podemos afirmar que nem sempre publicar mais mulher significa mais espaço para artistas nacionais. Por exemplo: entre 2020 e 2021 houve um aumento de publicações com pelo menos uma mulher, mas houve redução na quantidade de nacionais.
Quem publica mais mulheres?
Separamos as publicações por editoras para tentar entender quem publica mais e quem publica menos quadrinhos com autoras mulheres. Chegamos ao seguinte quadro:
A Nemo lidera tanto na quantidade quanto na porcentagem do catálogo. São 44 publicações com pelo menos uma mulher no time criativo, o que representa 33% das obras analisadas. Em seguida temos Cia das Letras (28%), Skript (26%) e Conrad (19,5%).
Já quando falamos de artistas nacionais, a Skript lidera com 23,9%, seguida de Conrad (11,7%) e Nemo (11,3%). A única editora da lista que não tem nenhuma artista nacional publicada é a Comix Zone, enquanto Pipoca & Nanquim e Darkside possuem apenas 1 publicação.
Entretanto, vale ressaltar um ponto importante no resultado da Skript: apesar do número superior de publicações nacionais, é prática da editora a publicação de coletâneas, isto é, quadrinhos com vários contos curtos de diversos autores. Como a nossa metodologia considerou “ter pelo menos uma mulher”, isto beneficiou a editora. De outra forma, em um segundo momento, quando analisarmos a quantidade de homens x mulheres de cada obra, pode ser que obtenhamos outro resultado pois, por exemplo, em “Dossiê Bizarro: Demoníaco”, temos 21 artistas e apenas 4 mulheres (Eliane Bonadio no roteiro de “Mukbang”, Cristiane Cavalcante no roteiro de “Visita” e Clarice França e Renata CB LZZ em “O Contrato”).
Já a Mino chama atenção negativamente por ser a única que possui uma editora-chefe mulher (Janaína de Luna) mas ocupa a penúltima colocação com apenas 7 das 101 obras possuindo artista mulher - sendo que 3 das obras são de autoria da própria Janaína (Haya e o Tempo, Lila e Cais). Além disso, o ótimo projeto “Narrativas Periféricas” que tem 16 gibis publicados pela editora, apenas 1 possui autoria feminina (Para Todos os Tipos de Vermes de Kione Ayo).
Quem chama a atenção positivamente no período mais recente é a Conrad, que lidera - em quantidade publicada - a lista de publicações se consideramos apenas o ano de 2020 em diante. Das 25 publicações de artistas de mulheres feitas pela editora, 23 são neste período - coincidência ou não, exatamente após o retorno do editor Cassius Medauar.
Já a Nemo, que liderou o período de 2010-2020, caiu bastante entre 2020-2024, como vocês podem conferir no quadro abaixo:
Abri um comentário rápido aqui porque lembrei que a Conrad abriu, este ano, um programa de parceria apenas para influenciadoras mulheres, o que corrobora com a política de incentivo à diversidade de gênero na editora. Deixo o link logo abaixo para vocês conferirem.
Por enquanto era isso que tínhamos para compartilhar com vocês. O cenário de publicações feitas por mulheres passa longe do ideal nas grandes editoras brasileiras, mas algumas iniciativas, como as da Conrad, trazem um ar de esperança para um futuro próximo.
Claro que queríamos trazer mais dados e informações. O grande amigo Márcio Rodrigues me alertou que poderíamos levantar os números também de tradutoras, editoras e letristas, o Thiago Carneiro me desafiou a analisar também questões relacionadas à raça e sexualidade e eu mesmo entendo que poderíamos melhorar essa pesquisa com números comparativos com outros mercados - como o de livros, por exemplo - ou olhar o número, de fato, de homens x mulheres.
Mas acontece que é um trabalho bastante árduo e é difícil conciliar a vida profissional com o Instagram, Youtube e Newsletter. O pouco que produzimos e conseguimos trazer para vocês é graças aos amigos Flavio Espirito Santo, Victor Rolf, Rafael Bernardes, Matheus Dornelas, Paulo Henrique de Jesus, Fabio Vieira, Christian Bremmer, Matheus Cunha, Renan Seynaeve, Sane Araujo, Leandro Souza, Miccael Pardinho, Maria Clara Cortez, Sergio Teixeira e Thiago Romam, que apoiam financeiramente, todos os meses, o Além dos Quadrinhos.
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No mais, é isso. Fico no aguardo da sugestão de vocês sobre o que querem ver na segunda etapa desta pesquisa. Podem enviar aqui nos comentários ou em qualquer rede social. Vai ser um prazer ouvir vocês e discutir o cenário nacional de historias em quadrinhos.
Forte abraço e até a próxima!
Pesquisa interessante convido vcs a conhecerem mais editoras independentes como a Kitembo onde temos prioridade em publicar quadrinhos com pessoas negras e entre elas muitas mulheres e pessoas LGBTQIA+. Editoras "mainstream" não vão olhar para os talentos q temos aqui no nosso país. Abraço! Will Rez